sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Ê saudosa liberdade...

Sempre fui magra.

Por muito tempo, época essa que lembro com certa melancolia, não me importava com o que escolhia comer.

Me lembro da batalha do leite, em que, para sanar meu sofrimento – e deixar minha mãe satisfeita – era preciso fazer milk-shake as 6hs da manhã, garantindo o seu consumo. Lembro também de polvilhar canela e açúcar cristal na banana em rodelinhas que eu comia na casa-da-vovó e que o requeijão era consumido a colheradas como se fosse iogurte. 

Dentre as memórias das tardes de inverno, quentinha, nas calças de flanela, me divertia assistindo as manchas de gordura que dançavam no chá... Apareciam toda vez que eu mergulhava o biscoito waffer. Sem nem me dar conta, lá se ia metade do pacote...

Para mim, bolinho de chuva tem gosto de férias de verão na praia e brigadeiro de colher das tardes brincando de boneca. 
Biscoito traquinas de morango, era o meu lanche preferido no colegial e, nesta mesma época, quinta-feira era o dia de pizza de catupiry com milho e Coca-cola!

Veja bem, antes de qualquer julgamento, que a verdade seja dita: sempre comi bem – não muito, mas bem. Nunca dispensei salada (da alface à alcaparra), nem legumes cozidos (do chuchu ao jiló – verdade mesmo!), nem as frutas (do caju ao cajá), o pão integral, o queijo fresco, as castanhas e blá, blá, blá...

Na minha lancheira da escolinha, eu levava ervilha seca e pistache, mas não negava um bolinho Ana Maria. Mais interessante, nunca fui forçada a nada, sempre realizei as minhas escolhas de modo natural... Osmótico até.

Pois bem, hoje, quando considero as escolhas alimentares (deles, delas e minhas... ) – para além do mero oficio, pois acho impossível separar a pessoa do profissional que se é – me entristeço (como eufemismo para “me desespero”).

 O que é isso que fazemos com “a dieta”? Que história é essa de “vestir” um corpo? Será que isso sempre existiu, só eu que não tinha reparado? Aonde será que foi parar a nossa liberdade de consumir algo “apenas” pelo prazer? Sem pensar em absolutamente nada a não ser seu paladar?

Adoro minha profissão, sou absolutamente convicta de que não existiria outra que me caísse tão bem. Sou muito feliz com as conquistas que ela me proporciona, mas... Cá entre nós, tenho uma saudade enorme de quando eu comia um pedaço de bolo de laranja e, tudo bem, se eu quisesse mais um, era só ir até a cozinha pegar outro. Simples assim.

Mais ainda, tento, a cada dia, a cada consulta, a cada artigo, a cada aula ministrada, reforçar (e talvez para mim mesma) que nutrição – e, pasme, até mesmo a nutrição estética – não deve ser sinônimo de um corpo lindo que, no entanto, mantém refém uma alma insatisfeita.


Que Papai do Céu me proteja e não me deixe ser um agente facilitador da falta de liberdade, que limita o corpo e, mais ainda, o pensamento. 




terça-feira, 7 de janeiro de 2014

É pela saúde...

“Doutora, eu preciso perder peso. É sério, não é por estética, é por saúde.”

Sim, mas claro. Nunca pensei diferente disso... Mas porque será que o senso comum insiste em fortalecer esta dicotomia?

Desculpe, mas é inegável o valor do bonita-se-sentir. Estar esteticamente satisfeita é bom. E embora aqui caiba a longa e árdua discussão do entrave entre “ser bonita” e se “sentir bonita”, no duelo de insatisfação gerado pelos ícones de beleza – a tal da beleza inatingível, hoje, o foco é outro: a preocupação com a saúde. Ou a preocupação que se diz ser com a saúde.

A obesidade é sabidamente – e constantemente – associada às doenças. Quando a circunferência do abdome é acima de 88cm, quando o índice de massa corporal ultrapassa 30kg/m2, a gordura corporal maior do 27%... Indicadores não faltam para determinar a questão, tão pouco seus efeitos secundários.

Longe de mim negá-los, no entanto, que atire a primeira pedra o nutricionista que nunca teve um paciente com estes indicadores e uma saúde, no limite, nor-mal. Eis a beleza das ciências médicas, não há regra sem exceção.

O que me espanta – me indigna e me preocupa – é o outro lado da moeda: a magreza sem saúde. E, me desculpem novamente, o “mundo fitness” sem saúde – e o turbulento ideal estético que bate de frente com o bem comer.

Aos meus olhos, este lado da moeda é ainda mais perigoso do que o sobrepeso ou a obesidade, pois é socialmente aceito. Mais ainda, é socialmente desejado. Há sempre quem pegue no pé da gordinha que come biscoito de lanche da tarde, mas para a magrinha, chovem elogios (ou críticas invejosas – que neste caso não contam, visto reforçam ainda mais o core da questão!).
Será que reparam que, talvez, a gordinha faça uma bela caminhada após o expediente e que consuma três frutas diferentes ao dia? Será que, talvez, a magrinha complete as necessidades diárias? Será que seu iogurte desnatado é mesmo suficiente?

Sem julgar... Como disse (e acredito mais que tudo) o universo é cheio de exceções e a beleza está, justamente, na diversidade!

Meu maior medo – abro aqui meu coração - é o consciente coletivo deturpado que pode estar sendo (preciso aqui do gerúndio) criado. O discurso de profissionais da área (e daqueles que não são da área – e muitas vezes nem área direito tem) pode não apenas incentivar, como também promover a expansão da uma dada... Des-nutrição. Esta, por sua vez, camuflada pela vedete estética da magreza.


O corpo humano precisa ser nutrido, e o que mais se vê na busca por informações na divulgação científica da nutrição são os “nãos” da alimentação: dieta sem isso... Sem aquilo... Sem aquilo outro. O contrassenso de quem quer bem nutrir é dizer o não aos nutrientes. Não é?