quinta-feira, 27 de março de 2014

Quanto reducionismo o meu.

Lá atrás, quando comecei a me incomodar com a "falsa nutrição" comercializada pelas vias clássicas da comunicação em massa, eu não tinha a menor noção do universo de conceitos, pensamentos e situações que me aguardavam.

Naquele momento, o objetivo me parecia um tanto pontual: encontrar a fronteira entre a ciência "séria" e a "nutrição de revista", visto que, uma vez delimitada, tornaria mais simples a tarefa de colocá-las em perspectiva.

O motivo?

... Uhn...

No limite das minhas possibilidades, doutrinar aqueles dispostos a compreender que nutrição não é uma ciência de fins, mas de meios.

Pois bem, o tempo passou.
A inquietação não era momentânea.

Emprestando palavras de Morin, em seu sentido mais completo, a inquietação foi então expandida e colocada em seu contexto, o que a fez atingir, pouco a pouco, uma bela complexidade (aqui, ainda nos conceitos do pensador).

Explico: a questão abrange muito além da nutrição enquanto ferramenta (comercial) para atingir o ideal de beleza, ela é, sobre o o próprio ideal.

Concordo que possa parecer piégas e simplório (eis que sou mais um alguém se manifestando contra o tão falado "padrão de beleza") e até mesmo hipócrita (uma especialista em nutrição em estética na contra-corrente) mas, na verdade, e justamente por isso, a consideração é ainda mais profunda. 

Sua profundidade não finda no limite de que, enquanto profissional, posso servir como uma via de acesso para a conquista deste ideal, e - como já registrei em outro post - por ter muito medo de torna-lo ainda mais ditador, mas advém, sobretudo (e talvez principalmente), pelo fato de eu também ser mulher, de ter expectativas, de aqui viver e de nesta dinâmica ter sido naturalizada. 

Há poucos dias, o core da inquietação ficou ainda mais claro.
Assisti, quase-que-sem-querer, ao discurso da atriz (recém ganhadora do Oscar), Lupita Nyong'o, ao receber um prêmio pela revista Essence.
Com palavras emocionadas e fortes a atriz discorreu brevemente sobre o fato de não ser uma afortunada representante da beleza. 
Disse de seus anseios e paradoxos enquanto menina e relembrou palavras de sua mãe, que deveriam voar aos quatro cantos do mundo: "Beleza não é algo que consome" (tradução livre).

Ao lembrar das palavras de sua mãe, Lupita reiterou que a beleza que nos sustenta não está no que se consegue observar, mas sim na compaixão. Compaixão, vejam vocês, para com os outros e consigo mesma.

Pois então...  No caso da atriz, a condição que a faz destoar do padrão de beleza, não é o peso,tão pouco seus contornos, é a cor da pele.
Sua compaixão para consigo mesma a fez - e certamente a faz diariamente - bela.

Lembra da inquietação inicial?


É...

Por mais sofrido que seja, no final das contas, nas mentes femininas, se o padrão não é atendendo, não se é feliz. Ah... E como ele é ditador!

São tantas as barreiras que determinam a felicidade que nem saberia por onde começar, e teria muita angústia de onde poderíamos terminar. 
Se não é o peso, é o tamanho do busto. Se não é o tamanho do manequim é a cor da pele. Se não são os lábios, são as sardas. Se não são os quadris, é o cabelo. Se não são os quilos a mais, podem ser os quilos a menos. Se não é nada disso, pode ser a idade...

Oras... 

E eu, achando que era só uma questão de defender a qualidade da divulgação científica! Quanto reducionismo o meu.



http://www.upworthy.com/oscar-winner-lupita-nyongos-speech-on-beauty-that-left-an-entire-audience-speechless


quinta-feira, 13 de março de 2014

Carta aberta às mamães!

Querida mamãe,

Por favor, ensine seu filho a alegria de comer bem. Diga-lhe que o prato de comida tem espaços que precisam ser preenchidos por diferentes tipos de alimentos - e que as suas cores, pintam a vida de saúde e disposição.
Não se esqueça que, no mundo dele, você assume local de destaque. Sua atitude é, portanto, de grande valor. Aproveite essa rara oportunidade.

Por favor, ensine a seu filho que hora de comer não é hora de brincar. Respeitar o momento da alimentação faz parte do correto fazê-la. Curta o momento, aproveite para conversar, dê a devida atenção e respeito que uma refeição merece.

Por favor, beba água. Ofereça-a a ele. Sempre.

Por favor, não deixe que seu filho assuma uma guloseima-gostosa como recompensa. Não use-a como moeda de troca para vencer as batalhas.
Na inconstância da vida, se perde, se ganha, e não é interessante associar a guloseima-gostosa às vitórias, tão pouco às derrotas.

Por favor - por favor mesmo - não supra qualquer que seja a ausência com a comida.
Amor não se engole, se vive.
E é possível estar perto mesmo estando longe. Infelizmente, a reciproca é também verdadeira.

Por favor, mostre a seu filho que é gostoso brincar de bola e dar um passeio no parque. Mostre que nem toda mulher cuida de casa e nem todo homem precisa ser "valentão".

Por favor, ensine à sua filha que ela não precisa ser uma Barbie para ser feliz. E que a maior beleza está na felicidade, não em um sorriso de plástico.
Por favor, ensine a seu filho que ele precisa respeitar as mulheres, como hoje deve respeitar a mamãe. Ensine também que a beleza - desculpe repetir - está na felicidade, não em um sorriso de plástico.

Por favor mamãe, nunca diga que está feia.
Não se olhe no espelho e, brava ou desapontada, diga que está gorda.
Lembre-se, por favor, que você é o maior exemplo. E, sobretudo, aos olhos deles, você será sempre uma princesa!

Muito obrigada,
Do fundo do coração,
Bia



domingo, 9 de março de 2014

Você viu no Globo Repórter?

Uma vez que o Globo Repórter não pede licença para "falar o que quer" - sobre o que bem entender - também não vou fazê-lo. 

Simples assim...

Comecemos com cinco breves contatações:
1- Sim, a nutrição está na boca do povo - literalmente.
2 - Sim, quando ela é a pauta da mídia, ela é boa geradora dos queridos pontos no ibope.
3 - Sim, nestas situações, a ciência da nutrição passa a ser "divulgação científica da nutrição" - realizada, portanto, por profissionais da área da comunicação, cuja atribuição é "tornar comum o conhecimento".
4 - Infelizmente, a apresentação dos temas (o que inclui o assunto, a maneira como se dará a reportagem e quem irá ser a "fonte de informação") é feito visando o seu sucesso enquanto produto cultural - e não necessariamente a alma da informação. 
5 - E, mais infelizmente ainda, quando a grande mídia diz, é muito difícil dizer o contrário. Seu alcance é grande. Seu prestígio, ainda maior.

Na matéria desta ultima sexta-feira, eis que mais uma vez, o-milagre-de-alguns-alimentos se revelou como pauta do programa noturno. A goji, a laranja, a banana, o abacate, a jabuticaba... Seus estudo, seus efeitos promissores... A diabetes, as doenças cardiovasculares, o câncer... A energia, a vitalidade e, claro, o emagrecimento. 

Incontestável os benefícios das frutas. Fontes de vitaminas, de minerais, de fibras... Blá blá blá. Nada de muito novo ou surpreendente. Aliás, me parece bastante óbvio que sejam benéficas a todos os malefícios/desordens/doenças causados pela oxidação do organismo... Afinal, não são elas ricas em antioxidantes? Talvez por isso que o rol de benefícios citados seja sempre o mesmo. 

Ok. 

Mas, o mais interessante é a absoluta facilidade que este programa tem de misturar "estudos científicos" com "relatos pessoais", como se apresentassem o mesmo grau de prestígio informativo - que fique claro, de forma alguma desconsidero o relato pessoal, mas cabe aqui colocá-lo em perspectiva. 

A miscelânea, tristemente, não acaba por aí.

Também foram desenvolvidas outras duas habilidades no programa: a dos " ultimatos" (como verdades absolutas), e; a duvidosa seleção do "conselho de consultores" (que prevê a fonte de informação segundo seus títulos, mas nem sempre de acordo com o assunto especificamente - podem ser cientistas, pesquisadores, médicos... Mas seriam eles as fontes mais adequadas para o que se propõe apresentar?). 

Desculpe, mas não é que a "banana não engorde de jeito nenhum". Não é exatamente assim...
Ela tem calorias, aliás, como (quase) tudo. E dependendo de como for, pode sim "engordar". 
Um diabético, só para citar um exemplo, precisa, sem a menor dúvida, ponderar seu consumo para não alterar seus indicadores sanguíneos - oras, não é que ela tem amido em sua composição? Só eu que esqueci disso?

Desculpe, mais uma vez, mas não acho que uma pesquisadora de farmácia seja uma das pessoas mais indicadas para inferir, afirmar e divulgar que "um lanche intermediário poder muito bem ser trocado por um copo de suco de laranja". Ela pode ser - e de fato deve ser - uma ótima pesquisadora, uma exime conhecedora das funções corporais, mas de hábitos alimentares, substituições de alimentos e da "saciedade social" - aquela que considera o contexto dos indivíduos e não somente a resposta cerebral - ah... Isso eu acho difícil uma farmacêutica conhecer.
Também não acredito que o apresentador/repórter possa afirmar que "o suco de laranja é o ideal para uma dieta de emagrecimento"... Como assim? Ideal para quem? Como exatamente? Por que dizer isso em rede nacional? Será que todos que o assistem conseguem interpretar de modo correto essa informação?

Que fique claro, não sou contra o suco de laranja - aliás, nem é essa a questão - mas acho que toda generalização diminui a inteligência e empobrece a beleza da individualidade. Se você me der um copo de suco de laranja para que eu faça dele meu lanche da tarde, pode ter certeza que estarei pronta para devorar minha casa no jantar - de quebra, a minha adesão a esta "dieta" seria nula.  

No âmbito da nutrição, como trabalhamos com muitas variáveis (hábitos, gostos, vontades, necessidades...) tudo pode ser muito relativo e quando a relatividade é desconsiderada, a receita de bolo não oferece como resultado o que prometeu. 

Desculpe, mas qual seria mesmo a qualificação - do ponto de vista acadêmico de conhecimento - do personagem frugívoro que parou de dar aulas de inglês para escrever livros e dar palestras sobre a sua experiência? Segundo a legenda, trata-se de um "estudante de nutrição". Pois bem.
Com todo respeito, caro futuro colega, espero que aprendas muito a respeito da ciência nutricional, do equilíbrio, da harmonia e da responsabilidade que um profissional tem em manifestar suas preferências, mas de adequar para o paciente aquilo que ele precisa. É uma ciência, não uma doutrina. O título profissional não deve ser mais um artifício do marketing. 
Espero também, que aprendas que não existe a expressão "semi-obeso" e que as frutas/verduras/legumes/etc. que consumimos hoje, não são exatamente como as "fornecidas pela natureza"...

Enfim. 

De tudo, fico feliz por não ter sido feita referência a nenhum nutricionista nesta matéria.
Sim, fico mesmo muito feliz. 
Para nós, alimento é coisa seria. 
É nosso trabalho. São nossos estudos.

Ciência não se faz de extremismos, de modas e de promessas.
Ciência se constrói dia-a-dia, na seriedade, mesmo que para isso tenhamos que lutar contra o (des)serviço que, por vezes, a grande mídia nos faz.






http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2014/03/brasileiros-que-so-comem-frutas-garantem-que-dieta-aumenta-resistencia-fisica.html

http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2014/03/testes-feitos-com-time-de-futebol-mostram-que-suco-de-laranja-e-otimo-repositor-energetico.html