terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O-Natal-na-Dieta...

Somos construídos pela curva, não pelos pontos fora dela.

Nosso corpo compreende a dinâmica geral do que fazemos, não as exceções.

Somos aquilo que mais praticamos, não os “as vezes”.

Colhemos o que cultivamos dia-a-dia, não aquele único dia.

Nosso corpo não se faz de esporádico, e sim de corriqueiro.

Mais vale um habito bacana ao longo do ano do que uma série de nãos, ansiedades e aflições nas festas.

Curtir essa época do ano sem obstáculos e culpas deixa nossas memórias mais saborosas.

Não busque ser magro, busque ser leve.


Um beijo, boas festas e bons sorrisos! 


sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O calabouço da dieta, em uma vida de regras tristes.

Dentre as poucas certezas que tenho, uma em especial, insiste em se fortalecer. Incomoda, atrapalha, entristece...
Eis que nós nutricionistas somos grandes promotores dos transtornos alimentares. 

Essa minha certeza petulante não vem de graça, ela me traz algo complicado na pratica profissional: a consciência.

Pode parecer loucura, mas ter a consciência de que aquelas minhas palavras, as minhas explicações e qualquer indicação na prescrição, possam ser (de algum modo) estimulante de um transtorno alimentar é, para mim, uma grande tortura. Mesmo. 
Se esforçar ao máximo para que isso não aconteça é  mais do uma norma pessoal, é um objetivo da minha vida.

Costumo brincar que, ao prescrever uma dieta, eu tenho que pedir licença ao paciente. É como se eu estivesse entrando na sua casa, abrindo a geladeira, bisbilhotando a gaveta, sentando na sala e mudando o canal da tv. Me sinto verdadeiramente constrangida de fazer isso tudo sem pedir licença, sem explicar o que faço ali, e o motivo das minhas atitudes e escolhas. Afinal, aquilo que acordaremos em conjunto fará parte da sua rotina... Não era essa a ideia? Pois então, toda mudança demanda responsabilidade e respeito.

Quando passeamos pela vida temos, ao longo dessa jornada, objetivos variados, focos diferentes, intenções e aspirações que se modelam de acordo com o tempo e o espaço.... Priorizamos tantas coisas diferentes!  É o vestibular para uns, as provas finais para outros, a promoção em vista ou o curso fora do país... Tem vezes que é o casamento da noiva, a formatura do primeiro filho, ou a novidade de ser avó! É a primeira gestação, a segunda, a terceira... É o cuidado dos filhos, ou o dos pais idosos, ou o da própria felicidade. É a viagem... I almoco com a familia... O final de semana que está por vir...
Muitos são os focos, os motivos e os seus momentos. 
E aí, quando no meio disso tudo, se resolve seguir uma alimentação melhor, mais saudável, com boas orientações, é preciso lembrar que a vida irá continuar a ter todas as suas outras prioridade. Não irá se resumir apenas à dieta. Ela sozinha, não deve, não pode, não precisa, ser o foco de tudo. Será que notamos isso? Será aceitamos isso? Ou que estimulamos isso? 

Na orientação nutricional, temos (e o colega de área há de concordar) que dar bastante ênfase ao alimento, e na rotina que o abraça... Mas às vezes... Será que não perdemos a linha?

Para nós - ao menos para alguns de nós - é ok pensar nisso grande parte do tempo. E apesar de não sermos fiscais da alimentação, as regras, a rotina, os alimentos fazem parte do nosso trabalho, da nossa pratica diária, são ferramentas do dia a dia... Mas... Será que é bacana forçar isso na vida de quem tem tantos outros focos? 

Orientar é uma coisa. Mandar é outra. 
Compartilhar ciência é uma coisa. Ser taxativo é outra.
Prescrever dieta com o paciente é uma coisa. Restringi-lo a uma rotina que não lhe cabe é outra.

Ter que fazer dieta todos os dias cansa. 
Ter que pensar para comer sempre, o tempo todo, cansa muito. 
Ter que dizer não o tempo todo, cansa para além de muito.

A disciplina só é boa quando o seu limite é a felicidade.
Quando passamos deste limite, a disciplina é um calabouço. Daqueles bem profundos em que a culpa e os comportamentos compulsivos são mais fortes que o próprio benefício da "dieta saudável". 

Tomara que, a cada dia que passe, os colegas de área notem isso. E que, desta consciência, venham melhores condutas. Menos duras. Mais abertas e mais realistas. 

Tomara que, desta consciência, venham explicações mais coerentes e mais respeito ao paciente. E que eles (sobretudo elas) diminuam a culpa, sorriam mais, e conheçam uma nutrição com alma, que aceita a vida com seus prazeres (até mesmo os alimentares!). 

Tomara que essa seja uma nova certeza para mim. Que não incomode, não atrapalha nem entristece... Pois, a despeito de qualquer objetivo, no final de tudo, o foco é mesmo ser feliz. 



quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Toda expectativa em pilares de areia tente a desmoronar.

Queria entender melhor esse modo mecanicista de interpretar o corpo.
O peso.
O objetivo.
As necessidades.

Queria entender melhor o motivo de tanta angústia pelos números da balança.
Pelo calculo do IMC.
Pelo X exato de quilos perdidos.
Pelas "broncas" dos profissionais aos pacientes, quando os valores-de-perda não são atingidos.

Corpo é bicho.
E a natureza é muito maior do que a sua mera previsibilidade. 
Metabolismo não responde simplesmente ao por e tirar de energia...Não se resume a isso, e tão pouco, depende apenas disso.

Não se prevê um resultado biologico como se prevê a resposta de uma máquina. 
Desvio padrão, variáveis e pontos fora da curva são, na natureza, a mais pura realidade.
Por que será então que queremos tanto os resultados exatos? 
Quem (ou o que) nos ensinou essa expectativa?

No meu ponto de vista, toda espectativa em pilares de areia tente a desmoronar. 
Por que criar expectativas fazias? Por que enraizar na areia, se já está sujeito ao insucesso?

Sabe o que gera isso tudo?
Uma ansiedade sem precedentes.
Uma tristeza profunda.
Compulsão daqueles que vivem neste espectro. 
Auto estima severamente reduzida.

E a vida é tão curta... Não é mesmo?

Do lado de cá da mesa do consultório, escuto tanto sobre isso... Noto tantos impactos desse pensamento reducionista. 

Será que o médico, que diz a uma jovem de 30 anos, que - segundo seus cálculos - se encontra 5kg a cima do "seu peso" ideal, sabe da ansiedade que ele lhe causa ao prescrever sibutramina para que ela emagreça antes de engravidar? 
Sera que ele entende que, talvez, brigar com ela pelo "brusco ganho de peso", pode lhe fazer mais mal do que o ganho em si? Será que sabe que ela está querendo mesmo engravidar (que já foi conversado com o esposo, programado, que isso a deixa feliz, a motiva...) e talvez não seria muito bacana se acontecesse e ela estivesse de fato tomando a sibutramina? Será que ele sabe que, às vezes, perder peso rapidamente para engravidar em seguida pode ser pior do que engravidar e controlar o ganho durante a gestação? Será que ele sabe quanta cor ele tirou da vida dela após a consulta?
Será que a médica que pede a seu paciente de 55 anos para emagrecer "só 6 quilinhos", com uma "dietinha" é um "remedinho" sabe do impacto que isso pode ter na vida dele? Que talvez, se ele tivesse uma orientação coerente, ele nem precisaria de remédio para isso? Ou até, que o bom resultado na vida dele não depende dos "6 quilinhos", mas da qualidade do corpo que ele vive dentro? 

Será que o personal trainer, que pede ao seu aluno de 42 anos, um esforço extremo, a ponto de precisar parar o treino para vomitar 2 vezes, sabe do prejuízo na vida dele que está causando? Será que ele sabe que nosso corpo foi feito para o movimento, mas que o esforço é metabolicamente lido como stress? Será que ele sabe do comportamento que acaba (mesmo que "sem querer") induzindo? Será que ele considera o bem estar como objetivo principal da sua conduta? 

Será que o colega nutricionista notando mal que faz quando prescreve a um mocinho de 18 anos, a uma recem-mamãe e a um senhor de meia idade, uma mesma dieta, baseadanos mesmos suplementos alimentares? Será que considera a sobrecarga que causa? Mais ainda, será que ele nota a irresponsabilidade profissional que pratica? A má impressão que causa da nossa classe? Será que ele percebe que o resultado principal não é lido em quilos na balança, tão pouco em centímetros de bíceps, mas na viabilidade da sua conduta? Na pratica e na adesão? No bem estar daquele que vos confia o ajuste da sua alimentação? Será que este colega sabe que o consumo alimentar é muito mais do a mera nutrição? 

Será que aquele grupo de mulheres, reunidas para um café sabem do mal que fazem às suas semelhantes quando os julgamentos são presos aos seus corpos? Será que sabem da dor que causam quando os comentários alheios diminuem a mulher a sua aparência estética? Será que os homens sabem disso? Será que os jovens sabem desse mal? Será que notamos a influência disso na nossa vida?

Será que as mamães e os papais sabem que, ao cobrar um "corpo magro" de seus filhos pode prejudicar a real construção desse novo corpo? Será que sabem que o exemplo é mais valioso do que a cobrança? Será que ensinar a importância de outros valores não ajudaria mais do que impor a "necessidade" objetiva do corpo? A melhora da saúde e a qualidade nutricional são, sem dúvidas, indispensáveis à todos, que dirá a uma criança... Mas será que lemos esse resultados puramente em um corpo mais esguio?

Pois então, como já disse, no meu ponto de vista, toda espectativa em pilares de areia tente a desmoronar. 

Corpo é bicho, não responde como máquina. Expectativas frustadas atrapalham a vida, tiram dela cores, sabores e memórias. Prejudicam, ao invés de estimular.

Queria mesmo entender esse modo mecanicista de interpretar o corpo...




terça-feira, 1 de setembro de 2015

A geração do "quero-ser-magra".

De todos os desafios que a rotina me trás, atender meninas adolescentes é, de longe, o mais difícil.

Quando entra aquela mocinha graciosa, de calça de moletom do colégio (com a barra cortada à mão), cabelos em um coque bagunçado e unhas coloridas, eu fico genuinamente aflita.

E aí, quando lanço a pergunta “então querida, no que posso te ajudar?”, eu prendo a respiração, na torcida para não ouvir mais um “quero ser magra”.

Minha torcida é (quase) sempre em vão.
O desejo-de-ser-magra é (quase) unânime.

Este desejo, por sua vez, é o início de um dominó de insatisfações corporais, que são claramente pontuadas por cada uma destas meninas, que tocam as partes dos seus corpos onde estariam as imperfeições e, com cara de desgosto, dizem que querem mudar “exatamente lá”.

Ah... Como odiamos nossas barrigas! Nossos braços “maiores do que deviam”, a sobra de gordura em cima da calça, o excesso embaixo do sutiã... Odiamos simplesmente por odiar, porque a convenção delimitada pelos nossos referenciais não é assim, e porque quando se é magra, se é “melhor”.

Quando, com um pouco mais de coragem, eu pergunto “mas, meu bem, porque você quer emagrecer?”, a resposta que tenho varia na forma, mas não em conteúdo. Nossas mocinhas querem ser magras porque: é “mais bonito”, irão “chamar mais atenção”, serão “como as outras meninas”, a “roupa vai ficar melhor”, os outros “vão gostar mais delas”... Os outros, os outros, os outros...

Ao que me parece, queremos emagrecer pela competição de exposição e, sobretudo, pelos outros. Até dizemos que é "para nós mesmos", mas este nós se faz em relação ao outro. Nossas jovenzinhas que querem emagrecer, acreditam que se tornam melhores-para-os-outros quando estão conquistam um corpo magro (no sentido lato: com menos gordura).

Seria muita ingenuidade minha perguntar “como é que chegamos aqui”? Creio que sim.
Foi tudo, não foi? Tudo isso que nos cerca. Todas as propagandas, todas as comédias românticas, todas as revistas femininas (e masculinas), programas de televisão, desenhos animados e as novelas. Foram todas as vezes que ouvimos que somos ou que devemos ser princesas, e quando todos os elogios direcionado à nós foram referentes à nossa aparência (como você está linda!). Foram todas as vezes que ouvimos pessoas falando dos corpos alheios e da referência de “bom e de ruim” mediante a aparência física. Foram todas as vezes que ouvimos nossas mães dizer que precisam emagrecer, que não cabem na roupa, ou que precisam fazer dieta. Foram todas as vezes que o corpo foi considerado capital e representador absoluto da qualidade da mulher... Foi tudo.

Na cultura do quero-se-magra, as regras são claras, duras e de contornos bem delimitados. Os valores são submetidos à crítica estética alheia: o corpo é o principal representante do que se é, e do que se pode conquistar – então, vamos ao nutricionista, ao endócrino, ao plástico, questionando o nosso corpo e querendo ser "melhor", mesmo sem termos uma definição do que realmente seria esse melhor.

E então, quem nasceu mergulhado nesse contexto, são apenas levados junto com a correnteza.  Correnteza essa que se fez, de fato, nas gerações anteriores... Eu você, e aquele tudo de que eu me referia... Entende de onde vem a angústia? De como estes atendimentos são desafiadores? Eles não são desafios fisiológicos são, sobretudo, emocionais.

A expectativa metabólica é relativamente fácil de ser cumprida. A emocional não. 
E o que dizer de quando o objetivo não aceita variações?
    
No momento de testarmos a vida adulta de modo descompromissado, de explorar oportunidades e de cultivar a liberdade, nossas jovens preferem se fechar nas privações, nos “nãos”, na dedicação-ao-treino-e-a-dieta, na regra, no padrão... Tudo em prol de um benefício estético-corporal que nem se sabe muito bem o motivo, só se sabe que se quer.


É... Pois é...



quinta-feira, 30 de julho de 2015

Metas? Quero mesmo é felicidade!

Sabe quantas as vezes eu escuto: "... Então, qual é a nossa meta?"? 

Muitas. Já até perdi a conta. 

Sabe o que eu respondo? "Ser feliz!". :)

Nem todos entendem minha brincadeira e, muito embora eu note um sorrisinho de canto de boca, eu sei que a aflição pelo resultado é grande. As vezes muito grande. Tão grande que se torna angústia. 

Veja bem, pensamos quase que o tempo todo em objetivos, nos enchemos de motivos e de necessidades. Nos organizamos em tabelas, nos delimitamos nos afazeres, nos gastos, nos "precisos". Fomos (e somos diariamente), educados a seguir assim - é bom se organizar, prever e saber qual é o nosso chão. Não é mesmo? 

No entanto, quando o assunto é metabolismo, resposta bioquímica e fisiológica do organismo, bom... Aí, determinar metas é pura fantasia. 

Corpo é bicho.
Tem seu tempo, seus mecanismos de ajuste, seus caprichos. 
Tem sua estrutura física, seus contornos genéticos e carrega nele a nossa história.
Caros, ele não pode ser tratado como uma meta. 

A não ser que aceitem que a meta têm prazos e características maleáveis e, sobretudo, que possa nos surpreender. Porque quando se trata de corpo é assim... Temos conduta, palpites, e controles, mas na pratica, temos a vida.

Não me entendam mal, a meta pode mesmo ser motivadora. Não nego. Mas, no mecanicismo e na rigidez que se propõe, ela perde sua força. Porque no lado de lá da ciência, sabemos que não é só determinação e foco que constroem o resultado - são tantos outros aspectos, que não é justo para quem não "atinge a meta" ser taxado de desleixado e desfocado. Tem mais, muito mais.

A meu ver, a meta deveria ser substituída pela jornada. O caminho é quem de fato nos constrói. 

Então... Que a jornada por este caminho seja prazeirosa e feliz e que transborde a contenção das metas! 





quarta-feira, 15 de julho de 2015

Aonde vamos parar?

Nesses últimos dias uma moça de 37 anos de idade morreu na UTI de um hospital por conta de complicações vindas da perda de peso. Não uma perda de peso qualquer: uma perda de 45kg em menos de um semestre. 
Esse emagrecimento, à base de "sucos para desentoxicar" (palavras estas do relato de uma colega), em uma dieta que contemplasse 400kcal (segundo o jornal Extra, O Globo, que narrou a história), claro, não a deixou saudável. Teve pneumonia e infecções tão importantes que, ainda segundo a fonte, a deixaram muito enfraquecida e em uma rotina de idas e vindas constantes do hospital. 

Pois então... 
Meus mais sinceros sentimentos à família e aos amigos desta moça. E a ela, que tenha paz, toda aquela paz que, claramente, não conseguiu ter por aqui. 

Apesar de todo o respeito que tenho ao lamentável acontecimento - e talvez justamente por este respeito, e pelo comprometimento que insisto em ter frente à indústria-da-dieta e ao desejo-de-ser-corpo - não posso deixar de comentar três fatos sobre esse assunto que me chamaram muito a atenção.  Muito. Muito mesmo.

Primeiro, a motivação. Muito embora se faça referência à busca da qualidade de vida através do emagrecimento, o gatilho que fez essa mulher - positiva, "iluminada", vaidosa e sempre disposta a ajudar os outros, segundo o relato dos seus conhecidos - tomar tal atitude, teve sua origem na  ofensa de um terceiro (um homem). Um outro alguém que comentou sobre o seu insucesso decorrente das suas dimensões corporais. Um homem que, no cômodo direito social de julgador, lhe agrediu com palavras... E, sabe como é, mulher foi feita para enfeitar o mundo, e ai de você se não estiver nas proporções certas. Enquanto mulher for tratada como é, e sua representação foi objetificada e reduzida, me parece que seguiremos nessa linha. Essa condição, vitimiza em dose dupla: o desejo de querer ser aceita, e a própria insatisfação que leva a medidas drásticas. Essa moça não era "louca" por fazer dieta de tamanha restrição, ela seguia um padrão social - quantas não fazem e, porque não morrem, não sabemos? 

Segundo, o método. É premissa quase que cultural que "fechar a boca" emagrece. Quantas vezes não ouvimos isso? Quantas vezes não lemos em capas de revista os milagres da nova privação? Quantas vezes não vemos celebridades se gabando das suas privações? Quantas vezes não achamos que a privação "é normal"? E ai, na busca da qualidade de vida, a moça  encontra um método que, de tão pouca qualidade, lhe tira a vida. Ela não foi "infeliz" na escolha... Ela foi desesperada, e impulsionada por uma pressão que exercemos (sim, nós todos) diariamente. É a revista, é o programa de celebridade, é a nutricionista, a mãe, o médico, o educador físico, o exemplo nos comerciais, o papo na academia, no salão de beleza, no supermercado... São os olhares julgados, e claro, as agressões verbais dos comentários alheios. 

Terceiro, o descaso com o desfecho. Sou só eu que fico absolutamente preocupada com uma morte alcançada por uma desnutrição compulsória? Será que não é visível que a cultura do corpo e  a valorização das formas diminuídas  está nos atrapalhando? O que será que precisa acontecer para isso ser "assunto sério"? Mas, novamente... A moça não foi "inconsequente" em seguir dieta por conta própria, ela foi vítima da cultura skinny-freak, de um tempo em que se entende feminismo como sinônimo de liberação sexual (e não é!) e de uma indústria da dieta repleta de maus exemplos. 

Lamentável.  



http://m.extra.globo.com/noticias/brasil/mulher-morre-apos-se-submeter-dieta-radical-perder-45-quilos-em-menos-de-seis-meses-16753502.html

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Colegas, olhem nossas crianças!

Queria pedir licença e endereçar o texto de hoje aos meus caros colegas nutricionistas.

Escrevo àqueles que, assim como eu, acreditam na ciência e, sobre tudo, a respeitam.
Àqueles que compreendem que comer deveria ser, antes de tudo, uma atividade cheia de prazeres, capaz de nutrir o corpo e as memórias.
Àqueles que percebem o paciente enquanto indivíduo especial e único, que carrega consigo um metabolismo, uma história e um contexto. Que os olha nos olhos, lhe explica, e o ouve com atenção. 

É pra estes colegas que escrevo.  

Queridos, vocês já notaram a quantidade de crianças preocupadas com o peso?
Com a "gordura localizada"? Com suas formas físicas?
A quantidade de jovenzinhos que se propõe a fazer dieta?

Pois então... Eu também notei! 
E confesso: fiquei com medo. 

Medo dos objetivos e dos discursos. Do grau de importância que se dá ao corpo e da redução da felicidade à aparência física.
Medo do conceito de que se tem de "certo" e "errado", de "emagrecer" e "engordar", da "beleza" e da "feiura" (na eterna dicotomia do "bom" e do "ruim"). 
Medo do modo com que as gostosuras da infância sucumbem à rigidez das regras. Mais ainda, da imposição social destas regras e, de como "aceitamos" que elas nos sejam impostas.
Medo dos valores.

Estamos diante de um legião de pessoinhas que, em idade de pular amarelinha, brincar de esconde-esconde e comer pipoca, estão se preocupando com seus contornos físicos. Um grupo de pequenas mocinhas que entram no consultório por vontade própria, na busca de um aconselhamento nutricional... Um aconselhamento que, claro, promova "perda de peso", redução, "enxugamento". Jovenzinhas que, quando indagadas quanto ao motivo da vinda ao consultório da nutricionista respondem sem pestanejar: "para ficar mais magra e mais bonita". Como se sinônimos fossem.

Como faremos então?
Que sinuca de bico perigosa essa, não é?

A nossa loucura social que demanda a magreza-da-beleza-feminina e o non-sense-da-barriga-chapada, chegou naqueles que serão o futuro. Chegou nos pequenos. E, pelo que me parece, chegou bem cedo...

Em um estudo muito bem conduzido pela Universidade Berkely (nos Estados Unidos, realizado e publicado em 2013), mais da metade das garotas da terceira à quinta série se diziam insatisfeitas com seus corpos - alegando que o motivo maior era o "excesso" de peso, muito embora apenas um quarto realmente atingisse essa classificação antropométrica.

Na evolução deste estudo, em nova publicação em 2014, foi notado que o desejo principal de meninas de 11 a 17 anos era a perda de peso. Repito: de 11 à 17 anos. Nosso marco inicial aqui é de 11 anos (on-ze-anos). Nesta pesquisa, o discursos das mocinhas referenciou claramente a "necessidade de ser ultra-magra para se ter sucesso" e considerar uma prioridade "assemelhar-se a uma top-model" para ser aceita.

Outro estudo, em final de 2014, que se propôs a avaliar influência midiática no comportamento e na auto-imagem das crianças, apresentou resultados escandalosos: pouco mais de um terço das crianças de 6 a 8 anos de idade acham que o "corpo ideal" é mais magro que o seu, e um quarto das crianças de 7 a 8 anos já tentou fazer alguma restrição alimentar (lá denominada e referida pelos próprios jovenzinhos como "dieta").  

Caros colegas, notem que estes são apenas três bons (sérios e relevantes) estudos dentre tantos outros que temos. As mais diversas áreas do conhecimento se preocupam em abordar o tema e, no meu ponto de vista, estamos bem no centro desta questão. Não podemos ficar calados diante dos resultados catastróficos que não cansam de aparecer e da responsabilidade que, de certa forma, a nossa profissão nos trás.

Ao escolhermos a nutrição estávamos, na verdade, escolhendo uma ciência espetacular, que unifica um conhecimento bastante técnico, com a prática diária, considerando os prazeres da alimentação e a relação afetiva e emocional que travamos com a comida e com o ato do consumo. Estávamos escolhendo aturar com a diversidade e a individualidade orgânica, em busca da qualidade de vida e da saúde. Para os que sabiam que trilhariam a área clínica, estávamos decididos a atuar em conjunto com nossos pacientes, na mais verdadeira harmonia (alimentar e de relacionamento, de respeito). Não foi? Não eram estes os nossos preceitos? A nossa motivação?

Pois então... E agora?
Claro, meus caros, que nosso controle frente a isso tudo é pequeno. Que não somos nós que determinamos os caprichos estéticos, e que não somos nós que pegamos "ninguém pelo braço" para lhes introduzir uma dieta goela a baixo. Mas, até que ponto será que nós não fazemos parte desta indústria? Até que ponto nossas orientações não corroboram para este cenário? Principalmente quando não estamos preparados para considerar os nossos pacientes inseridos nesse universo de desejos e privações? Quando aceitamos em retirar a cor e o sabor da vida dos outros em prol do tão falado "foco"? E quando estes são jovenzinhos? Mocinhas e mocinhos?

Nossa responsabilidade é com a saúde. E saúde é muito mais do que silhueta e contornos. Saúde é muitos mais do que "certo" e "errado". É, sem a menor dúvida, muito mais do que escolhas saudáveis.
A meu ver, a saúde começa na vida fora do calabouço do corpo ideal e do comportamento que ele demanda. Saúde está na liberdade da criança em ser como é. Está bem longe de regras que lhe prometa "sucesso pela beleza".

Que possamos refletir.
Que essa reflexão nos dê coerência.
Que nossa prática diária seja mais compreensiva.
Que tenhamos capacidade de trazer um pensamento e uma abordagem mais humana.
Que nossas crianças comam sem culpa, e que desejem um passeio no parque e um balão colorido, não um corpo novo.

Com carinho,
Bia.





Dos estudos citados:
(1) Umberable Weight, Susan Bordo et col, Berkeley: University of California Press. oct. 2013.
(2) Umberable Weight Keeps the Same, Susan Bordo et col, Berkeley: University of California Press. apr. 2014.
(3) https://www.commonsensemedia.org/



sexta-feira, 29 de maio de 2015

A polêmica lancheirinha...

O que dizer da lancheirinha da Flor, filha da Bela Gil? 

Hum... Primeiro, que mania é essa, a nossa, de darmos pitacos intrometidos onde não fomos chamados? 
Por outro lado... Minha avó dizia que "quem fala o que quer, escuta o que não quer", e isso não podia ser mais verdade em tempos de mídias sociais! (Vamos fazer valer essa premissa!) O que não deveríamos perder, é claro, é a educação.

Como profissional "da área", me sinto na liberdade de dizer: sorte a da garotinha! Não me entendam mal... Estou longe de ser nutricionista natureba (nada de errado em ser... tudo é uma questão de perfil), mas é preciso considerar que poucas são as crianças que podem desfrutar desse cuidado e dessa atenção na montagem da lancheira. 

Comida, meus caros, é carinho! 

Esse carinho, e não podia ser diferente, será reproduzido de acordo com os valores pessoais, culturais e familiares, de quem o prepara e de quem acredita que, através dele, é possível educar. Não é que aprendemos mesmo pelo exemplo? 

Para além do conteúdo da lancheirinha, acho que o que falta mesmo é a compreensão. Me parece bastante coerente da parte da moça oferecer a sua filha aquilo que julga pertinente: e se nessa foto tivesse um bolo de pacotinho, um salgadinho e um suco de caixinha? O que os afiados internautas falariam? O que escreveríamos a respeito? Ué... Ela não foi coerente? 

Espero muito, e aí a consideraria ainda mais sortuda, se esse regime não lhe for imposição... Se, em uma festa de criança, ela puder compartilhar dos sabores com seus amiguinhos, se puder tomar um sorvete em uma tarde descontraída, ou se para a mãe dela, for tranquilo ela querer experimentar alguma destas "tranqueiras industrializadas". (Notem, por favor, o termo experimentar, parente das expressões "hora ou outra", "às vezes" e "de vez em quando".)

A vida se experimenta, também, pela boca! 

Educação, coerência e consciência alimentar é bom... E a liberdade também! 

Quanto aos comentários que vieram da sua postagem, bom... Lamento a falta de educação de uns e os insultos de outros, julgo pertinente as considerações de uns e ri com a de outros! Humor (daqueles ingênuos e simples) nunca faz mal!

Quanto ao pedido da advogada da moça, para que "deixem ela em paz", bom... Alto lá parceira, exposição gera comentários. Simples assim. Liberdade de falar = liberdade de escutar. 

Quanto a "resposta" da moça, dizendo que a lancheirinha da filha é ecológica (pois não produziu lixo), nutritiva, dentro dos gostos da filha e que previne a obesidade, bom... Meus mais sinceros parabéns por usar bem seu tempo para conseguir oferecer essas escolhas (esse carinho e essa educação - alimentar e não alimentar) à sua filha! Mas, deixe-me aqui fazer uma pequena ressalva (sem acusações, tá?): a obesidade é uma condição de causa multifatorial, e a boa alimentação ajuda na sua prevenção mas não a resume, enquanto nutricionista, devemos saber disso e não sinalizar que quem é obeso come mal. Podemos nos surpreender... E o que menos precisamos é endossar o "preconceito" nesse sentido.

Ahh.... Mais amor, né? Com regras menos duras, julgamentos menos espinhosos, e mais felicidade! 







sábado, 16 de maio de 2015

Sabe a dieta da presidente?

Sabe aquele dieta que a presidente faz?
Aquela que não é a do médico americano, nem a do médico francês, mas que, claro, também corta carboidratos... Sabe qual é ?



Pois então, que resultado não é mesmo? Uma notável perda de peso que virou até notícia em alguns veículos. Digna, inclusive de comparação de fotos antes e depois. 
Apesar de acreditar que a atual situação política do país mereça um pouco mais do que considerações a cerca da composição corporal da presidente, aproveito aqui a pauta para pedir licença, e mostrar um pouquinho o lado de cá da ciência desta perda de peso. Será que posso?

Obrigada. :)

Antes de tudo, a redução de carboidrato é uma velha estratégia dietética. Através dela é possível modular a insulina (hormônio responsável por organizar o emprego da energia) e, com isso os estoques do corpo conseguem ser mobilizados. Mais inteligente ainda se, para esta modulação, for considerado o impacto sanguíneo (e metabólico) causado pelo consumo (que chamamos de carga glicêmica e muito interfere em uma boa dieta). O cenário fica diferente, no entanto, quando de "regulação", passamos à "privação" e então, neste ponto... Bom, aí a "conduta" vira uma verdadeira armadilha!

Primeiro, que o corpo é bicho e tem medo de morrer.
Fomos feitos para preservar a vida e, sem a sinalização coerente do consumo, a informação que passamos é de que teremos que nos contentar com "menos". Assim, uma série de peptídeos e hormônios reguladores são lançados com a proposta de colocar o corpo para trabalhar low cost, gastando menos energia para executar suas funções e estimulando o estoque energético (quando possível). Gastamos menos energia para se mante vivo - ou seja, em resumo, diminui o metabolismo.
Na tentativa de preservar a vida... Economizamos. É assim na nossa prática diária e não é diferente na fisiologia.
Desculpe mas, ao menos ao meu entender, não me parece muito favorável estimular a redução do gasto quando o que se quer é gastar mais. Não é mesmo? Eis então um contra senso metabólico: quero perder, mas para isso, eu sinalizo para o meu corpo que ele tem que estocar - uma equação fadada ao erro.

Segundo que, novamente, o corpo é bicho e tem medo de morrer.
No cenário da privação, de todas as informações recebidas pelo corpo, uma das que mais prevalece é o stress. Stress de falta, de redução, de escassez.
O stress proporciona que os estoques sejam colocados em uso, mas isso não dá faz à revelia: o corpo não sai gastando "qualquer coisa", ele tem a nobre intensão de se manter vivo por maior tempo possível, e isso o faz economizar.
Na escolha do substrato energético a ser mobilizado, certamente ele irá escolher aquele que lhe fará menos falta, o que o possibilitará driblar o momento de crise. O resultado disso? Um esforço mais-do-que-natural para preservar o estoque mais barato, a gordura.
Pois é... Na cadeia de uso de energia, a gordura é um bem precioso! E então, em momentos de stress orgânico, ela é preservada no limite do possível, em detrimento aos demais substratos.
Isso, em poucas palavras, resulta em perda-de-peso-na-balança e manutenção-de-gordura (principalmente aquelas localizadas). A composição corporal perde contornos e mantém, como vimos a pouco, seu metabolismo baixo. Se cansar dessa privação (dessa dieta)? Os estoques de gordura localizados seguirão como os principais pontos de armazenamento do corpo, este que terá ainda mais dificuldade em gastar energia (... ué, como acabamos de ver, não é que o seu gasto foi forçado a se reduzir?).

Terceiro que, de novo, o corpo é bicho e tem medo de morrer!
Na evolução, a maleabilidade adaptativa do corpo foi indispensável. Sem ela não conseguiríamos ter driblado a intempérie e a escassez de alimentos... Não sobreviveríamos para contar a história. Hoje, no entanto, essa característica é a grande responsável pelo platô de perda de peso, o "estancamento" da perda. Esse platô é a própria materialização da adaptação.
O corpo aprende e se adapta ao que recebe: se antes recebia 1000kcal ele vivia bem com elas... Se passou a receber 800kcal, ele perde peso, reduz seu gasto, se adapta, e passa a viver bem com elas também. A dificuldade em progredir aparece quando a partir da redução não se consegue mais "comer normal", ou seja, quando o consumo precisa ser cada vez menor para conseguir resultados de perda de peso.  Vai se criando um calabouço dietético de privação e redução.
Uma pena, comer é tão gostoso...
Será que é mesmo uma boa mostrar pro corpo que queremos "funcionar com menos"? Será que isso não dificulta a perda de peso subsequente? Se o corpo estará acostumado a menos, como vai ser quando se cansar da dieta de privação e aparecer para ele o "normal"?
Eis que vem o rebote, e a eterna dificuldade em controlar o peso e a composição do corpo. Eis que se assume uma vida cheia de restrições. De nãos.

Para além da redução metabólica, da preservação da gordura corporal e da dificuldade de manutenção dos resultados, o pior de tudo, o fundo do poço, o mais desesperador é a falta de felicidade que dietas como essa pregam. Nos ensinam que para ter resultados é necessário ter foco, determinação e disposição ao não-gostar-do-comer. Fatores estes que juntos e acrescidos da privação de consumo, acabam mesmo por nos privar dos bons momentos da vida.

Acho que está mais do que na hora de usar os conhecimentos da ciência a nosso favor... E não contra. De usá-los à favor de uma vida gostosa, com escolhas, que não dependa dos cortes e dos não. Que nos dê cores e nos possibilite sabores. Tomara que o foco e a determinação sejam ajustados para isso.




http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/dilma-perdeu-15-quilos-com-dieta-veja-antes-e-depois



sexta-feira, 27 de março de 2015

Barriga-grávida-definida: uma breve consideração.

Desde que vi a primeira foto – a Sarah Stage de barriga-grávida-definida, de calcinha, em uma selfie no espelho – fiquei inquieta, naquela angústia que normalmente me motiva a escrever. Iniciei o texto muitas vezes. Mas nunca cheguei ao fim. Busquei mais fotos, vi “notícias” a seu respeito, li e re-li os comentários e, apesar de permanecer inquieta, não sabia exatamente aonde meus pensamentos ancoravam.

Eis que passou um tempinho, e me deparei com a foto da Bella Falconi grávida – de perfil, exibindo, também de calcinha, uma barriga -grávida-definida em mais um selfie de espelho. Na mesma angústia, busquei mais informações, vi mais fotos, li os comentários e tudo-o-mais. Neste exercício de busca notei que a verdadeira angústia – diferente do que retratado nos comentários – estava justamente neles, no impacto que as tais fotos haviam causado.

Dentre os comentários, consegui notar três espectros diferentes: (1) aqueles que criticavam, afinal “naquela barriguinha o neném deveria estar espremido”; (2) aqueles que criticavam quem criticava, sob o argumento de que “se ela está saudável ok”, e “quem critica é recalcado”, e; (3) os elogiadores comedidos, que aplaudiam a exposição feminina.

Isto posto, notei que a problemática real não está na conduta, mas na exposição.
Não está na escolha pessoal, mas no exemplo.
Não está na mulher (em si), mas no que se espera dela.
Não está na fotografia, mas no contexto.
Não está na crítica nem no “recalque”, está no narcisismo e na qualidade de capital que o corpo tem.


Na bem da verdade, o que deveria importar mesmo é a saúde (da mãe, da criança, da sociedade) e a felicidade (da mãe, da criança, da sociedade), mas preferimos nos aprisionar em um moralismo de exposição – que é tão de fachada quanto uma selfie de calcinha no espelho. 


terça-feira, 24 de março de 2015

Bem Estar, campanha #afinarocha e o desserviço social.

Nesta segunda-feira, 23/3, o tema "principal" do conhecido programa abordou a perda de peso de um de seus apresentadores. 
Dentre os comentários e as "matérias" a seu respeito, eis que surge a figura da profissional que o acompanhou (uma colega de área, uma nutricionista) e, claro, traços da conduta nele aplicada.

Pois então... 
Novamente o emagrecimento, novamente a perda de peso, novamente as calorias... Não que seja um assunto velado - utopia que estamos bastante distante - mas será mesmo que é preciso que ele esteja tão em pauta? Que sejam tópicos tão frequentes? Será que isso ajuda mesmo a população a se conscientizar? Será que não promove, do modo com que é apresentado, ainda mais malefícios do que benefícios? 

Estão aí perguntas que (além de terem motivado minha dissertação de mestrado em 2013), creio que pouco teremos consenso nas suas respostas.

Mas... Isso não nos impede de questionar sempre que temos a chance. Não é mesmo? O conteúdo virou (nacionalmente) público, então podemos fazê-lo sem pedir licença.

A seguir então, algumas considerações: (vale lembrar que considerações não são acusações, tão pouco julgamentos.) :)

1-) Nosso corpo não é máquina. É afinado, alinhado e nos responde bem frente a estímulos, mas não é máquina... O pensamento biológico não é mecanicista. 
Me parece esquisito (para não dizer um pouco ultrapassado) uma orientação dietética ser baseada em calorias. Índice (na verdade carga) glicêmico(a), tudo bem, é lindo... Mas é mesmo que de 4000 passou-se a 800kcal/dia? É mesmo? Mesmo? Isso não vai bagunçar ainda mais esse metabolismo? Será que ele não ficará mais baixo, mais preguiçoso? Será que essa dieta não terá um platô próximo? Daqueles bem difíceis de sair? ... Mais ainda, será que é prudente expor, em rede nacional, que uma nutricionista assume uma dieta de "poucas calorias" para um homenzão daquele? Será que foi considerado que o programa passaria em televisões de pessoas bem esclarecidas, e outras nem tanto? Será que foi considerado que quase todas as pessoas são capazes de contar calorias? Será que lembraram que nutrição é uma ciência séria que não é "só" contar calorias, mas que ao "ensinar" a conduta, acaba dando o aval para ser reproduzida? Será que não consideraram o impacto em grande escala que isso poderia causar? Hum...

2-) A classe de profissionais da nutrição é complicada. Não apenas os nutricionistas, mas os nutrologos e os endocrinologistas e todo o aparato técnico que se "prepara" para trabalhar na aérea. Não à toa temos tantos problemas com dissonância de condutas (muito embora eu, particularmente, as perceba de modo positivo - tem nutricionista para tudo que é gosto!). No programa, no entanto, qual foi a atuação/atitude da colega? Mandona, né? Será que isso depõe à favor? Será que é este mesmo o modelo (que respeita o estereótipo) que queremos ter? Será que bem nos representa? No limite, será que é possível representar uma classe tão plural? Pensando novamente em grande escala, será que foi uma boa propaganda para nutricionistas de todo país? (Será que somos assim na maioria?). Não pareceu que somos fiscais-do-comer? Eu hein...?

3-) No modo com que foi apresentado - o prato-de-comida-que-só-tinha-salada e a dificuldade-da-privação-dos-eventos-sociais - a dieta pareceu dura. Daquelas que prega mesmo o modelo mecanicista de cálculo de comida e desconsidera a vida do paciente/cliente. Será que, para emagrecer, é preciso tirar da vida tudo o que se gosta? Será que temos resultados bons (fiéis, duradouros, reais...) assim? Será que o cidadão que segue, no intuito de perda de peso, aceita ser infeliz? Se privar de tal modo? Mais ainda, e voltando ao profissional, será que é isso que queremos "vender"? De novo, será que foi essa uma boa publicidade? Será que isso encoraja pessoas a buscarem novos hábitos de vida? Ou será que "o saudável" pareceu ainda mais distante "do real"? Será que (nós) temos o direito de mexer de tal modo na vida do outro? Será que merecemos ser taxadas deste modo?  Não sei não... Não gostei dessa ideia não...

4-) #afinarocha - "campanha" em prol do emagrecimento do apresentador: 21kg em 2 meses. É isso mesmo? É sério? Campanha para o emagrecimento acelerado...? Que expectativas isso gera? Qual o benefício real nisso tudo? Uma campanha? Com hashtag e tudo? Esta bem.

É uma pena. 
Eu lamento muito.

O que me entristece, além da contra-propaganda e da promoção errada do conceito da profissão é, principalmente o mau uso da informação pública. Com a abrangência que se tem, vestidos de "doutores" (com a chancela de "qualidade" da emissora) propagam valores que se vendem em troca de audiência... Isso tudo em uma sociedade já cheia de problemas ligados à alimentação: quer sejam pelo seu excesso, quer sejam pelas restrições. 




http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/03/fernando-rocha-encara-dieta-para-emagrecer-ate-21-kg-em-dois-meses.html

terça-feira, 3 de março de 2015

Dietas-da-moda? Responsabilidade é a resposta.

Nessa última semana, talvez por conta do insultante assunto da "dieta do jejum" da Vogue, as tais-dietas-da-moda se fizeram ainda mais presentes.

Tive a oportunidade de ler vários comentários a respeito das mais variadas versões, dos seus adeptos e dos desencorajados... Aqui, de fora da discussão, e conhecendo um pouco mais de bioquimica, fisiologia e metabolismo do que os discutidores do assunto, eu fiquei aflita. Muito aflita.

Veja bem, em momento nenhum me coloco como sabe-tudo e, mesmo sendo muito apaixonada pela minha prática diária e pela ciência que considero muito séria, eu não questiono os resultados (nem os motivos que levaram a alguém fazer ) qualquer que seja a moda dietética do momento. 

Não julgo, sobretudo, porque existe uma importante individualidade metabólica, que resguarda a cada um, resultados diferentes, de acordo com praticas também diferentes de vida. 

Não julgo também a angústia que temos para ter/fazer/conquistar um corpo ideal - isso é muito mais profundo do que parece e, ao meu ver, é um sintoma clássico de uma sociedade de valores atrapalhados, imersa na estrutura do consumo (mas isso é assunto para outro momento). 

O que quero dizer, na verdade, é que a dieta-da-moda, seja ela qual for é, já no seu conceito, algo falho. Nela está embutido um preceito de "momento" que vem e vai, que fará "sucesso" por dado período, que encantará quem a seguir, até que perderá sua luz. Do seu enfraquecimento, vem o efeito rebote e estamos cá na estaca zero. 

Só a título de curiosidade, a palavra dieta, enquanto origem, significa nada mais nada menos do que estilo de vida. Então, quando alguém diz que está em uma "nova dieta", o que isso implica realmente é em uma "nova tentativa de levar a vida". 

Eis então o coração da questão que trago aqui: então quer dizer que seu novo estilo de vida é se privar? É se alimentar apenas de proteínas? É contar pontos de calorias dos alimentos? É, no extremo da impraticabilidade, viver no jejum?

Meus caros, honestamente, sem problemas. (E, por favor, que isso não seja lido com tom irônico!)

Se essas propostas bem lhe servem... Se crê que é válida a tentativa, pois bem, que a siga. Quem somos nós para julgar e mandar no estilo de vida do outro? 

O que acho importante frisar, é que toda escolha implica em conseqüências, de tal modo que me parece óbvio dizer que então, cada nova tentativa de controle do corpo (e do estilo de vida) precisa ser realizada de modo responsável. Daí a necessidade de conhecer os impactos (momentâneos e futuros) da conduta escolhida.

Essas explicações, muitas vezes difíceis de serem formuladas, buscam sua origem no modo de funcionamento do corpo e no seu alinhado balanço de energia que, sobretudo, privilegia a vida. 

Pois é, o homem contemporâneo tem, na verdade, um corpo bicho. 

Esse, por sua vez, não aceita desaforo e sabe que, na verdade, quem manda em você é ele e não o contrário.

Nesse pensamento, creio que não custa saber - de fontes confiáveis - aquilo que acontece com o corpo quando se propõe mudanças de estilo de vida (lê-se dietas). 

 O resultado de hoje e de amanhã nada se compara com o eco metabólico que pode ser sentido por anos. Ponderação e conhecimento podem ser grandes aliados à tomada de decisões que podem parecer bobas e pequenas - afinal temos tantas dietas da moda e tantas pessoas às executam - mas podem mexer em um mecanismo perfeito e tirá-lo do eixo! 

Responsabilidade é então a palavra. 

Não apenas na escolha da conduta que optamos para conquistar nossos objetivos, mas também como determinante da nossa felicidade - vai me dizer que comer não é gostoso e não nos deixa felizes? 

Sei que me repito nesse tópico, mas já que é para escolher uma nova dieta (um novo estilo de vida), que essa seja para te deixar feliz! 
Não? 




segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Meu Belo Ideal Frankenstein

Com frequência surpreendente, noto certo comportamento intrigante nas mulheres - não apenas, mas principalmente - quando se referem ao seus corpos... No consultório, na praia, na padaria, na loja de biquíni, aonde quer que seja, o discurso da estética do corpo se faz aos pedaços.  Um todo meio bagunçado, construído parte a parte. 

Me parece que montamos um ideal baseado em referências diversas. Difusas. De conjuntos e composições diferentes. Uma barriga menor, um quadril maior, uma curva a menos, outra a mais...

Talvez estejamos muito acostumadas a ver mulheres aos pedaços por aí - divulgando os mais variados produtos e emoções - e então a noção de totalidade do corpo se diminui (ou se perde). 
Talvez nossas expectativas estejam associadas àquelas que assistimos na televisão e vemos na revista - que precisam esconder suas "falhas" a qualquer custo, e quando não seguem a regra, viram notícia (?) nos tablóides, sites e mídias sociais.  (Sejamos honestos, a beldade que "exibe o corpão na praia" recebe menor notoriedade do que a celebridade que está "imperfeita" curtindo uma praia... Ficamos estupefatos e criticamos aquela que usou hidrogel e quase morreu, mas nos indignamos com a ausência do "corpão".)

Passeando pela internet, me deparei com um breve vídeo qua valeu a atenção (http://www.hypeness.com.br/2014/02/video-mostra-reacao-de-mulheres-apos-receberem-as-proprias-fotos-tratadas/#). Se trata de uma experiência realizada com mulheres "comuns" que tiveram seus corpos emprestado às capas de revistas e às suas propagandas, de tal modo que são utilizados de acordo com os caprichos da imagem comercial, tal e qual as modelos que vemos: eles são arrumados, embelezados, maquiados, penteados, fotografados e photoshopiados. 
Assim como todo representante contemporâneo, elas bem sabem como são estas modelos (ou, ao menos sabem como são as imagens delas) e, por mais que não busquem friamente ser como elas, há aquela pontinha de pretensão que todo "ideal" propõe.... Ao serem apresentadas as suas próprias imagens de acordo com os padrões das revistas, veio a decepção pessoal (e coletiva): a perda da identidade, a falta das qualidades individuais, das graças únicas que, embora não as façam "perfeitas" as deixam ser quem são. 
Como cover-models, são todas muito parecidas, como se uma cortina as fizessem lindas-perfeitas-e-prontas à exposição. A beleza da imperfeição polifônica virou fumaça! 

Apesar de poder ser modelado, ajustado e alinhado, o corpo não é, de fato, aos pedaços. O todo o constrói na beleza dos gestos, trejeitos e sorrisos, aquela estampada na imagem é um ideal que talvez não dê espaço à felicidade: talvez a vida transborde silhuetas tão enxutas.



 

domingo, 18 de janeiro de 2015

#projetoverão lhe concede o sol

Desde julho do ano passado que ouço do tal projeto verão. Em setembro, os cartazes de promoções de tratamentos estéticos citando esse projeto começaram a aparecer por aí. E mais intensamente,em novembro e dezembro, ele virou febre, viral e charge. 

Muito embora cada lugar o apresente de modo diferente, os contornos do corpo, os cuidados com a beleza e a "felicidade em se exibir" estão sempre presentes. 

Na revista feminina, as moças aparecem de biquíni, com a pele adoradada, os cabelos deslumbrantes e a maquiagem impecável - em um visual que nada lembra um dia divertido na praia. 

Nas propagandas, os corpos cujas silhuetas são absolutamente precisas, estampam o modelo de beleza e valorizam os "atributos da mulher à mostra". É momento de se mostrar! 

Nos hashtags da vida, o "projetoverão" que vinha acompanhando selfies de treinos e fotos de pratos de salada+grelhado, apresentam o sucesso daquelas que se disciplinaram em prol da beleza e agora, quando o projeto verão vira o próprio verão, podem "se expor sem medo". 

Pois então... 
Mas o verão não era para ser... Simplesmente o verão? Não era a época em que se acordava tarde, tomava café da manhã gostoso e se preparava para o dia na praia? Essa preparação, pelo que me lembro, não era se lambuzar de protetor solar, colocar o bikini, pegar a garrafinha de água e ir para a areia?

Não era o momento do ano que tomar sorvete antes do almoço era permitido? E que o cabelo ficava preso e cheio de água salgada até o sol cansar e ir dormir atrás do mar? 

Será que precisa de uma força tarefa para isso? É preciso cumprir certos desafios e atender a dadas expectativas corporais para ter um bom verão? Mais ainda, para ser "liberada" a usar o bikini? 

E se eu não atender aos requisitos propostos? Se minha barriga for maior do que da moça da revista? Se meu bumbum tiver mais celulite do que da moça da propaganda de cerveja? Se eu não for bronzeada como a atriz da novela? Se eu tiver estrias que a moça do catálogo de bikini não tem? 
Será que não vou poder usar a praia? Vou ter que ficar de canga? 

Mas não era esse o momento do ano de relaxar? 
É, me parece que, para alguns, o projeto verão roubou isso. 

Sem a pretensão de fazer apologias (nem ao cuidado excessivo, tão pouco a falta de cuidado), mas com a intuito de levantar a bandeira da felicidade, hoje noto que aquela que é menos preocupada em ser, ter e aparentar é, sem dúvidas, a mais feliz! 

Minhas caras, o verão é para todas! O sol não escolhe iluminar apenas quem atende certos padrões! ;)