quinta-feira, 28 de abril de 2016

Não é melindre, é respeito à ciência.

Com muito medo de ser antiética, e antiprofissional, hoje, preciso escrever sobre um tema que tanto me atrapalha.

Não quero ser pedante, mas, é sério, quem deve prescrever dieta é o nutricionista. Eu juro, nós aqui, com o esse diploma e essa formação...

Não é médico, como acham por aí. (Inclusive o padre pop.)
Não é acupunturista, como pregam algumas.
Não é fisioterapeuta especialista em estética, como ouvi por aí.
Não é a blogueira, como seguem (e dão likes) alguns.
Não é o educador físico, como pregam outros.

Somos nós. Aqui, ó! 
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Estas últimas semanas foram marcadas por grandes desafios em consultas, daqueles com direito a moças de olhos marejados, tristezas de um esforço jogado fora e de um ideal-de-magreza que não nos dá liberdade... 

Teve médico que levou paciente à esteatose hepática medicamentosa, e à inflamação intestinal por uso contínuo de medicamentos desabsortivos (sabe aquele "bem levinho" que diminui absorção de gorduras?).

Teve acupunturista que cobra uma nota para prescrever uma dieta de privação de calorias e, uma vez por semana, coloca o paciente para comer (compulsoriamente) meio kilo de bolo floresta negra, estimulando, como bem se vê, uma excelente qualidade alimentar e uma saudável relação com a comida. (Desculpe, não me contive na ironia aqui.)

Teve matéria em um jornalzinho de fisioterapia de um programa de emagrecimento gerenciado por uma fisioterapeuta que, além da atividade física, se gabou da prescrição de uma dieta-saudavel-para-emagrecimento. E aí eu me pergunto... Quantas foram as aulas de dietética, nutrição normal e dietoterapia que essa profissional assistiu?

Teve mais e mais gente me mandando mensagem porque leu-no-insta-que-segue e que a blogueira MARÁ, diz que um suco detox-fit-plus (feito com um produto que a patrocina) é TOP para perder barriga. 
Vale lembrar que a máxima que "se deu certo pra ela, ela sabe o que diz", tem um peso enorme da mídia - mais ainda na mídia social, mais ainda em quem quer acreditar em uma promessa. 

Teve educador físico que prescreveu dieta de abacate, banana, frango, clara de ovo e só. Só. Somente só. 

Notem, por favor, que não estou aqui apontando o dedo. Que tenho certeza que, assim como maus, temos bons exemplos. Temos profissionais sérios que sabem aonde começa e termina às respectivas atribuições, que respeitam o trabalho multidisciplinar e têm alma e coração no trato com seus pacientes/clientes. 
Como também tenho consciência que temos maus exemplos por aqui, na nutrição. 

Uma ciência que é tão próxima do cotidiano, acaba por parecer "fácil" aos olhos de quem orienta na prática, mas eu juro que tem um bocado de ciência seria por trás. Juro que não é simples prescrever uma "dietinha". E que, se feito bem feito, trás resultados de verdade - não para ontem, mas sim, para um ótimo amanhã. 

E é justamente por isso que vale a discussão: lidar com promessas e expectativas dos outros, principalmente quando falamos de estética em um universo que demanda padrões secos, requer responsabilidade do profissional e, sobretudo, requer respeito. 

Em um olhar curioso, acho que é bem isso que falta: responsabilidade na conduta e no embasamento dela, e respeito ao próximo e à ciência. 

Não é melindre pessoal, não é ego, não é mimimi, é o que é. Cada macaco no seu galho. 

Obrigada.


sábado, 2 de abril de 2016

Por dias sem culpa.

"Docinho light para comer sem culpa."
"Dicas de carboidratos para comer sem culpa."
"Lanches rápidos para comer sem culpa."
"Receitas magrinhas, gostosas e sem o peso da culpa." 
Culpa, culpa, culpa...

A indústria da dieta e suas culpas de conduta.
A publicidade-para-a-mulher e suas culpas estamparas nos corpos mais bonitos do mundo.
A conversa entre amiga e suas culpas de hoje é de ontem.
O final de semana e suas culpas continuas.

Uau... Quanta culpa! 

Quando será que instituímos que comer o que se gosta é tamanho mal, que nos sentimos culpados? (Mais ainda, que nos sentimos culpadas?) 

Será que já paramos mesmo para pensar o que é, originalmente, a culpa?
Me permita aqui - ela é, por definição, (1) responsabilidade por dano, mal, desastre causado, e; (2) falta, delito, crime.

Comer um bombom é um desastre? Tomar vinho com o esposo é um delito? O bolo de aniversário do colega no escritório é um dano? Sair da dieta é crime? Que mal todo é esse, que tanto vivemos?

Entendo que ter escolhas que não nos faz bem pode ser realmente um problema. Esquecer de tomar um antibiótico no horário, fumar, beber em excesso,  negligenciar o protetor solar, dirigir escrevendo mensagem no celular, descuidar do colesterol alto e da pressão fora do controle... Sim, de fato, podem todas serem consideradas escolhas ruins e, no limite, podem levar a culpa - e, claro, à consequências estrondosas.
Mas, sair da dieta lá e cá... Seria para tanto? Tão deletério que se revela motivo de culpa? Sério?

Creio que, no mesmo momento que abraçamos os ideias de aparência (corpo segui, slin, skinny-freak e fitness) instituímos de tabela a culpa. 

Hoje, por aqui, ela foi nivelada por baixo e todo mundo a compartilha. 

Quantas não são as vezes que escuto de um alguém querido, que se esforça lindamente para ser uma boa pessoa, mais saudável, mais disposto e mais feliz consigo mesmo a frasezinha "ah, mas aí, depois de comer, me dá uma culpa..."? 
Garanto, são muitas. E, de verdade, me parece um paradoxo constante: como se fazer mais feliz com tanta culpa? Como estar bem consigo mesmo e, ao mesmo tempo, cumprir todos os deveres (e contornos) que o mundo nos cobra?

Amiga da disciplina exagerada e do #foco, a culpa é dura, mal-educada e não pede licença. Nos põe pra baixo, nos entristece e nos desmotiva. 

Queria tanto conseguir ter uma voz persuasiva o suficiente para explicar que o corpo pouco entende algumas diferenças de consumo, que "engordamos" mais na privação do que no conforto, e que a fisiologia aceita bem as variações de rotina quando a disciplina (não exagerada) e o #foco (em ser feliz) são mais constantes que a culpa. 

Ah, como eu queria... Como eu queria dias com menos culpa.